DEZ 2020
Nasceu na Itália um movimento simpático chamado “Slow Food” que se contrapõe a tudo que é “fast
food”. Escolham-se alimentos locais, transformados de forma artesanal. Tomam-se o tempo de prepará-los cuidadosamente. Finalmente saboream-se estes alimentos maravilhosos em companhia de bons amigos, regando a refeição (pelo menos na Itália) com bons vinhos e boa conversa.
Nascido para salvar de extinção os vinhos, queijos e salames de fabricação artesanal italianos, hoje o “Slow Food Movement” espalha-se por todos os continentes, estando em estado incipiente no Brasil.
Em dezembro fui impressionada por uma experiência que caberia no rubrico de “slow food”: visitei a roça de caju de “Seo” Zé Miranda no auge da frutificação. Quando ele chegou neste canto quinze anos atrás, não houve árvore nenhuma. Hoje a roça do seu Zé e dona Terezinha é uma verdadeira floresta de frutas, lembrando o Éden perdido: caju, manga, pinha, laranja, ciriguela, umbu, acerola, banana….
Lá fora fazia um calor de se desesperar, mas na floresta o ar estava fresco. As árvores estavam carregadas de frutas, o cheiro doce pelo ar. Andei lentamente embaixo das árvores, saboreando a maior variedade de cajus que vi na minha vida. Parecia que cada árvore era um ser único, com cajus de tamanho, cor, formato e sabor diferentes. Houve cajus pequenos vermelho-fogo, ácidos e doces ao mesmo tempo, sem aquela trava tão comum no caju, ideais para suco. Depois vinha um caju pequeno, amarelo e redondo, doce feito mel, perfeito para fazer caju-passa.
Atrás destas era um caju amarelo LINDO, comprido, em formato de pêra – mas sem gosto! Mesmo assim, serviria muito bem para fazer os pratos salgados alternativos: bifes, moquecas, salada, etc. Houve cajus quadrados cor-de- laranja, muito gostosos, para comer diretamente da árvore. Em tudo, acho que experimentei uns nove tipos de caju diferentes, um verdadeiro passeio gustativo e visual. Foi uma experiência sensual inesquecível.
Os cajueiros se misturam facilmente entre si. As abelhas se encarregam de fazer a polinização cruzada. Os agricultores nada fazem a não ser enfiar a castanha no chão e esperar uns três a quatro anos para a produção começar – e descobrir o resultado! É comum uma árvore nova em nada parecer sua matriz. Às vezes são as enxurradas e os bichos que se encarregam de espalhar as sementes e o agricultor descobre a surpresa nos recantos mais inesperados.
Hoje os órgãos de pesquisa estão desenvolvendo cajus uniformes. Estas árvores, de porte menor, são mais delicadas, exigindo adubo químico e muitas vezes irrigação. Garante-se, através da enxertia, que não haverá variação possível. Imagina-se que é isto que o consumidor quer e que estes cajueiros de “alta produtividade” beneficiarão o agricultor. (De fato são gostosos – não quero menosprezar o trabalho sincero dos pesquisadores)
Tenho minhas dúvidas. Espero que todo consumidor tenha o direito, como tive, de passear embaixo de árvores gigantescas e experimentar a enorme biodiversidade que nos presenteia o cajueiro.
Na minha roça nova os cajueiros são pequenos, não chegando aos meus joelhos. Mal consigo esperar o dia que meu lar também se transforme, como na roça do seo Zé, num mundo rico de cores, cheiros e sabores. Neste dia espero poder oferecer a vocês todos a oportunidade, como tive, de passear, lentamente.